terça-feira, 9 de maio de 2017

Conto: A Dança

Meu conto A Dança foi escrito em 2008 e publicado na antologia Espectra (Ed. Literata), em 2011.
O tema: bullying e suicídio. Não há que se olhar de maneira romantizada, mas sim tentar olhar pelos olhos dos jovens e adolescentes que clamam para serem vistos e ouvidos.
Hoje, todos dizem que o tema precisa ser discutido, trabalhado... mas o que é um texto nacional, não é mesmo? ;)

A imagem pode conter: texto

Então, para vocês conhecerem, segue o conto:

A DANÇA

          As luzes suaves e azuladas do salão pareciam pulsar diante de seus olhos. Nunca estivera ali antes e a expectativa fazia suas entranhas contorcerem-se em agonia.
- Senhorita? – uma mão estendida se esticou em sua direção. O olhar era encantador e o sorriso, cativante...
            Diane pensou um pouco olhando para mão estendida, para os dedos compridos, para a pele suave, macia... Nunca ninguém a convidara assim, era irresistível...
            Ela sabia que estava corada e o coração parecia palpitar fora do peito, freneticamente, desigualmente.
            Sentindo as mãos trêmulas, segurou a mão estendida. Seus pés deslizaram pelo salão como se caminhasse sobre nuvens. Momentaneamente sentiu uma vertigem, mas a mão era forte e transmitia uma segurança como ela nunca sentira antes.
            De repente, todas as chacotas das meninas da escola, o escárnio, o desdém dos rapazes que faziam questão de ignorá-la, tudo ficou opaco, vazio, ridículo...
         Diane sorriu. Seu ouvido preencheu-se com a música suave... ela adorava aquela música! Sentia-se envolvida pelo braço forte e seu corpo flutuou desfrutando daquele perfume de flores.
            O condutor a levava com maestria, uma das mãos firmes enlaçava sua cintura, numa carícia quente, sensual, enquanto a outra segurava em sua mão fazendo seus pulsos latejarem de excitação... ela estava totalmente entregue às sensações.
            Nunca dançara antes, nem mesmo dentro de quarto, refúgio para a dor, cárcere onde escondia sua raiva, angústia e frustração. Não queria ser popular, só queria ser aceita.
            Inúmeras vezes olhara-se no espelho e tentara convencer a si mesma que não era invisível, ou pior, execrável! “Você é bonita, Diane. Tem seus talentos! Ninguém é perfeito! Nem mesmo a Alice, aquela que é amada e admirada por todos na escola, a deusa...”. Procurara desesperadamente por defeitos naquela “exibida, oferecida”, mas sempre terminava odiando a própria imagem. “Olha essas orelhas! E esses dentes! O cabelo escorrido, horrível! Onde estão os seios perfeitos?”
            Agora era levada nos braços daquele maravilhoso exemplar de homem, lindo, sensual, forte e com ele rodopiava pelo salão. Ela nem sabia ser capaz de dançar! Mas ele a conduzia, a ajudava, não ria dela ou de sua insegurança... Todos a invejavam, olhavam-na como se fosse uma princesa de contos-de-fada, como se fosse a rainha do baile.
            Finalmente ela sorria. Um sorriso guardado desde que entrara na adolescência, cobrado pela família, mas sempre ignorado por seus pares.
            Leveza... a dança da sua vida! Seus pés saíam do chão...
- Está pronta! – a voz doce acariciou seus ouvidos. – Essa música é sua Diane... eu te conduzo... – ele sorriu e ela viu estrelas nos olhos dele.
- Obrigada! – Diane falou sentindo o suspiro preso no peito.
            Diane não ouviu quando sua mãe, desesperada, abriu a porta do quarto. Não percebeu o horror e dor nos rostos de todos de sua família. Ela não sentiu o mar de sangue à sua volta, nem os cortes profundos que infringira em seus próprios pulsos...
            O pai, chorando, retirou os fones de ouvido que tocavam a música favorita... Atônito, percebeu o leve sorriso nos lábios pálidos de sua filha que jazia morta sobre os lençóis cor-de-rosa...

Nenhum comentário:

Postar um comentário